segunda-feira, 19 de março de 2012

Lendas da Lagoa Encantada: o envolvimento contrapondo o desenvolvimento - por BOB MONTELEONE


Ao abordar o imaginário popular na peça “Lendas da Lagoa Encantada” é que percebemos a riqueza desse tesouro imaterial tão desprezado e desrespeitado pelos que se dizem “letrados”. A sabedoria desses povos que ainda acreditam em suas raízes baseiam-se no entendimento natural de uma convivência pacífica e imbricada do homem com a natureza, sendo um ser uno de forma equilibrada e sadia.
As grandes nações do mundo com altos índices de desenvolvimento evidenciaram esses registros baseados em seus mitos como a Grécia Antiga, por exemplo, considerada o berço da civilização ocidental, pois ao acreditar nos mitos damos espaços para ouvir nossa voz interior, nossa consciência, estabelecendo uma comunicação através do inconsciente coletivo que ressoa um só sentimento.
No entanto, somente os seres “conectados”, como o caso do menino Sozí, que na peça pode comunicar-se com a natureza no sentido mais amplo da palavra. Segundo Jacobson, o principio básico dos elementos no processo de comunicação são: emissor, receptor, código, canal, mensagem, referente, sabendo-se também que qualquer ruído, como o egoísmo e a ganância, citados na peça por exemplo, pode interferir nesse processo, impedindo a sensibilização para a comunicação do ser humano com Gaia, a Terra viva. Se começarmos a valorizar as coisas mais simples poderemos perpetuar não só nossa espécie, bem como todas as outras que estão conectadas conosco na grande teia da vida por um fio condutor que está se desgastando a cada dia com o risco de quebrantar-se. Tudo isso, pela ambição cega que exaure nossos recursos naturais. 
O verdadeiro progresso seria a conquista de mais tempo livre, para convivermos mais com nossas famílias, para brincar de roda com nossos filhos, nossos vizinhos, ouvindo as histórias e experiência de nossos anciões, ao invés de ficar “entretidos” passivamente em frente a uma TV, sem qualquer interação. Não podemos mais aceitar o enriquecimento ilícito e inescrupuloso de uma minoria a custa de tudo e de todos em detrimento da exploração e do esgotamento dos recursos naturais que não nos leva a lugar algum, a não ser, nossa autodestruição com a justificativa de atender a demanda de um consumo desenfreado de forma dispare aos padrões naturais de convivência.
A solução está na simplicidade da vida na proximidade com seus pares, desta forma acontecerá um desenvolvimento atrelado à preocupação do bem-estar humano simultaneamente ao respeito para com as outras espécies, animais e vegetais, abordados na peça teatral “Lendas da Lagoa Encantada”. Será que ainda não percebemos as respostas que a natureza está nos dando, as áreas que não deveriam ser habitadas e que os tsunamis atingem, os tigres que estão mudando seu comportamento e devorando seres humanos, o sumiço das abelhas nos Estados Unidos, as enchentes. Os avisos estão ai, como diz a frase chave do filme Avatar: “Cedo ou tarde é preciso acordar!” Então quando será? Depois que não tivermos mais a Lagoa, o Parque do Conduru, nosso lindo litoral, nossas baleias Jubarte?
Precisamos repensar nossa maneira de viver, devemos interagir com a natureza de forma sadia e equilibrada deixando de lado o consumo exacerbado, onde acima de tudo devemos SER, vivendo o momento e buscando a felicidade em coisas simples através de relações altruístas e de cooperação em um ambiente natural e conservado, ao invés de TER, possuir bens materiais que são utilizados de forma egoísta, além de contribuir com criação de uma lacuna de desigualdade social que está sendo preenchida com uma violência desenfreada, dia após dia e que resulta no encontro de diferenças que não conseguem mais ser separadas por muralhas e aparatos sofisticados de segurança, que até outrora eram intransponíveis. Continuo a dizer que às pessoas que estão na linha de frente, no poder, estão bloqueadas esquecendo-se de sua missão pública e buscando benefícios próprios. Desta forma não estão aptas para sintonizar Gaia a Terra viva. Realmente acho que o poder está nas mães erradas. Todavia ainda há tempo, vamos conviver pacificamente respeitando a natureza e todos os seres, inclusive nosso próximo.
O exemplo da Cia. Teatral Boi da Cara Preta deixa bem claro que trabalhar com educação através da arte é acreditar na essência do ser humano. Sei que é possível mudar o mundo, ainda acredito na humanidade e são cenas como as da peça “Lendas da Lagoa Encantada” que nos conectam ainda mais a mãe natureza, mostrando que devemos permitir a sensibilização com os exemplos que estão a nossa volta, coisas simples da vida. Siga seus instintos mais primitivos e de coletividade, não feche os olhos, um mundo melhor é possível!!! Pegue um lixo no chão, cumprimente uma pessoa que você não conhece, divida o pão, cuide de um animal debilitado, abrace uma criança e mostre que o mundo não é tão cruel assim como a mídia sensacionalista explora! Muitas vezes, pequenos e simples gestos podem tocam mais do que discursos demagógicos! Ame a vida! Conviva! Desenvolver pra que? A palavra de ordem é envolver.
O enredo da peça me motivou a contar uma experiência pessoal. Perto do ponto de ônibus aqui no Pontal-Ilhéus-BA sempre vejo um morador de rua que lava os carros do pessoal do hotel, pelo simples fato de cumprimentá-lo toda vez, perguntando como ele estava. De alguma forma ele se sentiu notado, como igual, estabelecendo um vínculo comigo. Inacreditavelmente ele tem mais cidadania do que a maioria dos motoristas que passam com seus carrões desrespeitando a faixa de pedestres. Ele vai até a faixa e acena para que todos parem para que eu possa passar. Não bastasse isso, eu o observo lavando os carros com uma quantidade mínima de água e que ficam limpos, a única exigência dele é que se deve deixar o som do carro ligado, diga-se de passagem, com música de boa qualidade num tímido volume, diferentemente dos motoristas mal-educados que esbanjam água para lavar suas “super-máquinas” empurrando goela abaixo seu péssimo gosto musical ensurdecedor. Onde está a humanidade nessa história? Com um homem e posses, ou com uma pessoa menos abastada? Na simplicidade é claro! Com o exemplo desse ilustre cidadão é difícil não retribuir a bondade a outras pessoas que encontramos por ai. Outro mundo é possível, seja a mudança que você quer para o mundo! Creio que ainda veremos a Lagoa Encantada ser repovoada pelo Peixe-boi, ilustre morador do litoral do sul da Bahia que outrora vivia em abundância.
Quero aqui parabenizar o trabalho da Cia. Boi da Cara Preta – Núcleo de Atividades para Infância e Juventude do Teatro Popular de Ilhéus, em especial os dramaturgos Romualdo Lisboa e Elielton Cabeça, a diretora Tânia Barbosa sempre brilhante, da direção musical espetacular de Elielton Cabeça - que deu alma ao espetáculo, das vozes afinas e preparada pelo competente maestro Antonio Melo, pela presença marcante das atrizes, cantoras e percussionistas Geisa Pena e Márcia Mascarenhas e ao destaque dos personagens menino Sozí pelo ator mirim Pablo Lisboa do (indiano) ator Fábio Nascimento.
Só um último pedido! Vamos levar essa peça para os moradores da Lagoa Encantada, eles precisam entender o quão importante são para o ecossistema.


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